Espiritualidade

Espiritualidade (74)

Santa Catarina de Génova

Prezados irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de vos falar de outra santa que tem o nome de Catarina, depois de Catarina de Sena e Catarina de Bolonha; falo de Catarina de Génova, conhecida sobretudo pela sua visão sobre o purgatório. O texto que descreve a sua vida e o seu pensamento foi publicado nessa cidade da Ligúria em 1551; ele é dividido em três parte: a Vida propriamente dita, a Demonstração e declaração do purgatório — mais conhecida como Tratado — e o Diálogo entre a alma e o corpo (cf. Livro da Vida admirável e da doutrina santa, da beata Catarina de Génova, que contém uma útil e católica demonstração e declaração do purgatório, Génova, 1551). O redactor final foi o confessor de Catarina, o sacerdote Cattaneo Marabotto.

Catarina nasceu em Génova, em 1447; última de cinco filhos, ficou órfã do pai, Giacomo Fieschi, ainda em tenra idade. A mãe, Francesca di Negro, dispensou uma válida educação cristã, a tal ponto que a maior das duas filhas se tornou religiosa. Com 16 anos, Catarina foi concedida como esposa a Giuliano Adorno, um homem que, depois de várias experiências comerciais e militares no Médio Oriente, tinha regressado a Génova para casar. A vida matrimonial não foi fácil, também devido à índole do marido, apaixonado pelo jogo de azar. Inicialmente, a própria Catarina foi induzida a levar um tipo de vida mundana em que, contudo, não conseguia encontrar a serenidade. Depois de dez anos, no seu coração havia um profundo sentido de vazio e de amargura.

A conversão teve início a 20 de Março de 1473, graças a uma experiência singular. Tendo ido à igreja de são Bento e ao mosteiro de Nossa Senhora das Graças para se confessar, ajoelhou-se diante do sacerdote e «recebeu — como ela mesma escreve — uma chaga no coração, de um imenso amor de Deus», com uma visão tão clarividente das suas misérias e dos seus defeitos e, ao mesmo tempo, da bondade de Deus, que quase desmaiou. Foi tocada no coração por este conhecimento de si mesma, da vida vazia que ela levava e da bondade de Deus. Desta experiência derivou a decisão que orientou toda a sua vida, expressa com estas palavras: «Basta com o mundo e com os pecados» (cf. Vida admirável, 3rv). Então Catarina fugiu, suspendendo a Confissão. Voltou para casa, entrou no quarto mais escondido e chorou prolongadamente. Naquele momento, foi instruída interiormente sobre a oração e adquiriu a consciência do imenso amor de Deus por ela, pecadora, uma experiência espiritual que não conseguia expressar com palavras (cf. Vida admirável, 4r). Foi nessa ocasião que lhe apareceu Jesus sofredor que carregava a cruz, como é frequentemente representado na iconografia da santa. Poucos dias depois, foi ter com o sacerdote para finalmente realizar uma boa Confissão. Aqui teve início aquela «vida de purificação» que, durante muito tempo, lhe fez sentir uma dor constante pelos pecados cometidos e que a impeliu a impor-se penitências e sacrifícios para demonstrar o seu amor a Deus.

Neste caminho, Catarina foi-se aproximando cada vez mais do Senhor, até entrar naquela que é denominada «vida unitiva», ou seja, uma relação de profunda união com Deus. Na Vida está escrito que a sua alma era orientada e ensinada interiormente só pelo dócil amor de Deus, que lhe concedia tudo aquilo que ela precisava. Catarina abandonou-se de modo tão total nas mãos do Senhor que chegou a viver, durante cerca de vinte e cinco anos — como ela escreve — «sem o intermédio de qualquer criatura, instruída e governada unicamente por Deus» (Vida, 117r-118r), alimentada sobretudo pela oração constante e pela Sagrada Comunhão recebida todos os dias, o que não era comum na sua época. Só muitos anos mais tarde o Senhor lhe concedeu um sacerdote que cuidasse da sua alma.

Catarina hesitava sempre em confiar e manifestar a sua experiência de comunhão mística com Deus, sobretudo pela profunda humildade que sentia diante das graças do Senhor. Foi só a perspectiva de dar glória a Ele e de poder favorecer o caminho espiritual de outros que a levou a narrar aquilo que se verificava nela, a partir do momento da sua conversão, que é a sua experiência originária e fundamental. O lugar da sua ascensão aos vértices místicos foi o hospital de Pammatone, a maior estrutura hospitalar genovesa, da qual foi directora e animadora. Portanto, não obstante esta profundidade da sua vida interior, Catarina vive uma existência totalmente activa. Em Pammatone foi-se formando ao seu redor um grupo de seguidores, discípulos e colaboradores, fascinados pela sua vida de fé e pela sua caridade. O próprio marido, Giuliano Adorno, foi conquistado por ela, a ponto de abandonar a sua vida desregrada, de se tornar terciário franciscano e de se transferir para o hospital, para oferecer a sua ajuda à esposa. O compromisso de Catarina no cuidado dos doentes continuou até ao fim do seu caminho terreno, a 15 de Setembro de 1510. Desde a conversão até à morte, não houve acontecimentos extraordinários, mas dois elementos caracterizaram toda a sua existência: por um lado a experiência mística, ou seja, a profunda união com Deus, sentida como uma união esponsal e, por outro, a assistência aos enfermos, a organização do hospital e o serviço ao próximo, especialmente aos mais necessitados e abandonados. Estes dois pólos — Deus e o próximo — preencheram totalmente a sua vida, transcorrida praticamente entre as paredes do hospital.

Estimados amigos, nunca devemos esquecer que quanto mais amarmos a Deus e formos constantes na oração, tanto mais conseguiresmos amar verdadeiramente quantos estão ao nosso redor, quem está perto de nós, porque seremos capazes de ver em cada pessoa o Rosto do Senhor, que ama sem limites nem distinções. A mística não cria distâncias em relação ao outro, não cria uma vida abstracta, mas sobretudo aproxima do outro, porque se começa a ver e a agir com os olhos, com o Coração de Deus.

O pensamento de Catarina sobre o purgatório, pelo qual ela é particularmente conhecida, está condensado nas últimas duas partes do livro citado no início: o Tratado sobre o purgatório e o Diálogo entre a alma e o corpo. É importante observar que, na sua experiência mística, Catarina jamais tem revelações específicas sobre o purgatório ou sobre as almas que ali estão a purificar-se. Todavia, nos escritos inspirados pela nossa santa, é um elemento central, e o modo de o descrever tem características originais em relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao «lugar» da purificação das almas. No seu tempo, ele era representado principalmente com o recurso a imagens ligadas ao espço: pensava-se num certo espaço, onde se encontraria o purgatório. Em Catarina, ao contário, o purgatório não é apresentado como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o purgatório, um fogo interior. A santa fala do caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus (cf. Vida admirável, 171v). Ouvimos sobre o momento da conversão, quando Catarina sente repentinamente a bondade de Deus, a distância infinita da própria vida desta bondade e um fogo ardente no interior de si mesma. E este é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há um traço original em relação ao pensamento do tempo. Com efeito, não se começa a partir do além para narrar os tormentos do purgatório — como era habitual naquela época e talvez ainda hoje — e depois indicar o caminho para a purificação ou a conversão, mas a nossa santa começa a partir da própria experiência interior da sua vida a caminho da eternidade. A alma — diz Catarina — apresenta-se a Deus ainda vinculada aos desejos e à pena que derivam do pecado, e isto torna-lhe impossível regozijar com a visão beatífica de Deus. Catarina afirma que Deus é tão puro e santo que a alma com as manchas do pecado não pode encontrar-se na presença da majestade divina (cf. Vida admirável, 177r). E também nós sentimos como estamos distantes, como estamos repletos de tantas coisas, a ponto de não podermos ver Deus. A alma está consciente do imenso amor e da justiça perfeita de Deus e, por conseguinte, sofre por não ter correspondido de modo correcto e perfeito a tal amor, e precisamente o amor a Deus torna-se chama, é o próprio amor que a purifica das suas escórias de pecado.

Em Catarina entrevê-se a presença de fontes teológicas e místicas das quais era normal haurir na sua época. Em particular, encontra-se uma imagem típica de Dionísio, o Areopagita, ou seja, aquela do fio de ouro que liga o coração humano ao próprio Deus. Quando Deus purifica o homem, liga-o com um fio de ouro extremamente fino, que é o seu mor, e atrai-o a si com um afecto tão forte, que o homem permanece como que «superado, vencido e totalmente fora de si». Assim, o coração do homem é invadido pelo amor de Deus, que se torna o único guia, o único motor da sua existência (cf. Vida admirável, 246rv). Esta situação de elevação a Deus e de abandono à sua vontade, expressa na imagem do fio, é utilizada por Catarina para manifestar a obra da luz divina nas almas do purgatório, luz que as purifica e eleva aos esplendores dos raios fúlgidos de Deus (cf. Vida admirável, 179r).

Queridos amigos, na sua experiência de união com Deus os santos alcançam um «saber» tão profundo dos mistérios divinos, no qual o amor e o conhecimento se compenetram, a ponto de ajudarem os próprios teólogos no seu compromisso de estudo, de intelligentia fidei, de intelligentia dos mistérios da fé, de aprofundamento real dos mistérios, por exemplo daquilo que é o purgatório.

Com a sua vida, santa Catarina ensina-nos que quanto mais amamos a Deus e entramos em intimidade com Ele na oração, tanto mais Ele se faz conhecer e acende o nosso coração com o seu amor. Escrevendo acerca do purgatório, a santa recorda-nos uma verdade fundamental da fé, que se torna para nós um convite a rezar pelos defuntos, a fim de que eles possam chegar à visão beatífica de Deus na comunhão dos santos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1032). Além disso, o serviço humilde, fiel e generoso, que a santa prestou durante toda a sua vida no hospital de Pammatone, é um exemplo luminoso de caridade para todos e um encorajamento especialmente para as mulheres que oferecem uma contribuição fundamental para a sociedade e a Igreja com a sua obra preciosa, enriquecida pela sua sensibilidade e pela atenção aos mais pobres e necessitados. Obrigado!

Sexta, 12 Novembro 2010 08:53

São Josafá

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saojosafaHoje celebramos a memória do santo Bispo que derramou o seu sangue por amor do Supremo e Único Pastor das ovelhas, tornando-se precursor do ecumenismo. João Kuncevicz nasceu em Wladimir (Ucrânia), no ano de 1580, numa família de ortodoxos, ou seja, ligados à Igreja Bizantina e não à Igreja Romana. 

Com a mudança de vida mudou também o nome para Josafá, pois era comerciante até que, tocado pelo Espírito do Senhor, abraçou a fé católica e entrou para a Ordem de São Basílio, na qual, como monge desde os 24 anos, tornou-se apóstolo da unidade e sacerdote do Senhor. Dotado de muitas virtudes e dons, foi superior de vários conventos, até tornar-se Arcebispo de Polotsk em 1618 e lutar pela formação do Clero, pela catequese do povo e pela evangelização de todos. 

São Josafá, além de promover com o seu testemunho a caridade para com os pobres, desgastou-se por inteiro na promoção da unidade da Igreja Bizantina com a Romana; por isso conseguiu levar muitos a viverem unidos na Igreja de Cristo. Os que entravam em comunhão com a Igreja Romana, como Josafá, passaram a ser chamados de "uniatas", ou seja, excluídos e acusados de maus patriotas e apóstolos, segundo os ortodoxos. Aconteceu que numa viagem pastoral, Josafá, com 43 anos na época, foi atacado, maltratado e martirizado. Após ser assassinado, São Josafá foi preso a um cão morto e lançado num rio. Dessa forma, entrou no Céu, donde continua intercedendo pela unidade dos cristãos, tanto assim que os próprios assassinos mais tarde converteram-se à unidade desejada por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Margarida de Oingt

Queridos irmãos e irmãs,

No ano 1288, foi eleita Priora da Cartuxa de Poleteins (França) Margarida de Oingt. Dotada de uma personalidade simples, linear e afectuosa, concebe a vida inteira como um caminho de purificação até à plena configuração com Cristo. Ele é o Livro que havemos de gravar diariamente no nosso coração e na nossa vida, de modo especial a sua paixão salvífica. Desde manhã cedo, Margarida dedica-se ao estudo deste Livro; quando o contemplou bem, começa a ler no livro da sua consciência, que lhe revela a falsidade e as mentiras da sua vida, se comparada com as palavras e as acções de Jesus, com o Livro da vida d’Ele. Da contemplação do amor de Cristo por nós, nascem a força e a alegria de responder com igual amor, colocando a nossa vida ao serviço de Deus e dos outros.

Fonte: www.vatican.va

Santa Brígida da Suécia

Estimados irmãos e irmãs!

Na férvida vigília do Grande Jubileu do Ano 2000, o Venerável Servo de Deus João Paulo II proclamou Santa Brígida da Suécia co-Padroeira de toda a Europa. Hoje de manhã, gostaria de apresentar a sua figura, a sua mensagem e os motivos pelos quais esta santa mulher tem muito a ensinar — ainda hoje — à Igreja e ao mundo.

santabrigidaConhecemos bem os acontecimentos da vida de Santa Brígida, porque os seus padres espirituais redigiram a sua biografia para promover o seu processo de canonização imediatamente depois da sua morte, ocorrida em 1373. Brígida nasceu setenta anos antes, em 1303, em Finster, na Suécia, uma nação do norte da Europa que, havia três séculos, tinha acolhido a fé cristã com o mesmo entusiasmo com que a Santa a recebera dos seus pais, pessoas muito piedosas, pertencentes a nobres famílias próximas da Casa reinante.

Podemos distinguir dois períodos na vida desta Santa.

O primeiro é caracterizado pela sua condição de mulher felizmente casada. O marido chamava-se Ulf e era governador de um importante distrito do Reino da Suécia. O matrimónio durou vinte e oito anos, até à morte de Ulf. Nasceram oito filhos, dos quais a segunda Karin (Catarina), é venerada como Santa. Isto é um sinal eloquente do compromisso educativo de Brígida em relação aos seus próprios filhos. De resto, a sua sabedoria pedagógica foi apreciada a tal ponto, que o rei da Suécia, Magnus, a chamou à corte por um certo período, com a finalidade de introduzir a sua jovem esposa, Bianca de Namur, na cultura sueca.

Brígida, espiritualmente guiada por um douto religioso que a iniciou no estudo das Escrituras, exerceu uma influência muito positiva sobre a própria família que, graças à sua presença, se tornou uma verdadeira «igreja doméstica». Juntamente com o marido, adoptou a Regra dos Terciários franciscanos. Praticava com generosidade obras de caridade em prol dos indigentes; fundou também um hospital. Ao lado da sua esposa, Ulf aprendeu a melhorar a sua índole e a progredir na vida cristã. Quando regressou de uma longa peregrinação a Santiago de Compostela, realizada em 1341 juntamente com outros membros da família, os cônjuges amadureceram o projecto de viver em continência; mas pouco tempo mais tarde, na paz de um mosteiro onde se tinha retirado, Ulf concluiu a sua vida terrena.

Este primeiro período da vida de Brígida ajuda-nos a apreciar aquela que hoje poderíamos definir uma autêntica «espiritualidade conjugal»: juntos, os cônjuges cristãos podem percorrer um caminho de santidade, sustentados pela graça do Sacramento do Matrimónio. Não poucas vezes, precisamente como aconteceu na vida de Santa Brígida e de Ulf, é a mulher que, com a sua sensibilidade religiosa, com a delicadeza e a docilidade consegue levar o marido a percorrer um caminho de fé. Penso com reconhecimento em muitas mulheres que, dia após dia, ainda hoje iluminam as próprias famílias com o seu testemunho de vida cristã. Possa o Espírito do Senhor suscitar também nos dias de hoje a santidade dos cônjuges cristãos, para mostrar ao mundo a beleza do matrimónio vivido segundo os valores do Evangelho: o amor, a ternura, a ajuda recíproca, a fecundidade na geração e na educação dos filhos, a abertura e a solidariedade para com o mundo e a participação na vida da Igreja.

Quando Brígida ficou viúva, teve início o segundo período da sua vida. Renunciou a outras bodas para aprofundar a união com o Senhor através da oração, da penitência e das obras de caridade. Portanto, também as viúvas cristãs podem encontrar nesta Santa um modelo a seguir. Com efeito, após a morte do marido, Brígida distribuiu os seus próprios bens aos pobres e, mesmo sem jamais aceder à consagração religiosa, estabeleceu-se no mosteiro cisterciense de Alvastra. Ali tiveram início as revelações divinas, que a acompanharam durante o resto da sua vida. Elas foram ditadas por Brígida aos seus secretários-confessores, que as traduziram do sueco para o latim e as reuniram numa edição de oito livros, intitulados Revelationes (Revelações). A estes livros acrescenta-se um suplemento, que tem como título precisamente Revelationes extravagantes (Revelações suplementares).

As Revelações de Santa Brígida apresentam um conteúdo e um estilo muito diversificados. Às vezes a revelação apresenta-se sob a forma de diálogos entre as Pessoas divinas, a Virgem, os Santos e até os demónios; diálogos em que também Brígida intervém. Outras vezes, ao contrário, trata-se da narração de uma visão particular; e noutras ainda narra-se aquilo que a Virgem Maria lhe revela acerca da vida e dos mistérios do Filho. O valor das Revelações de Santa Brígida, por vezes objecto de algumas dúvidas, foi especificado pelo Venerável João Paulo II, na Carta Spes aedificandi: «A Igreja, ao reconhecer a santidade de Brígida, mesmo sem se pronunciar sobre cada uma das revelações, acolheu a autenticidade do conjunto da sua experiência interior» (n. 5).

Com efeito, lendo estas Revelações somos interpelados sobre muitos temas importantes. Por exemplo, volta-se a descrever frequentemente, com pormenores bastante realistas, a Paixão de Cristo, pela qual Brígida teve sempre uma devoção privilegiada, contemplando nela o amor infinito de Deus pelos homens. Nos lábios do Senhor que lhe fala, ela põe com audácia estas palavras comovedoras: «Ó, meus amigos, Eu amo tão ternamente as minhas ovelhas que, se fosse possível, gostaria de morrer muitas outras vezes, por cada uma delas, daquela mesma morte que padeci pela redenção de todas elas» (Revelationes, Livro I, C. 59). Também a dolorosa maternidade de Maria, que a tornou Mediadora e Mãe de misericórdia, é um argumento que aparece com frequência nas Revelações.

Ao receber estes carismas, Brígida estava consciente de ser destinatária de um dom de grande predilecção da parte do Senhor: «Minha filha — lemos no primeiro Livro das Revelações — Eu escolhi-te para mim; ama-me com todo o seu coração... mais do que tudo quanto existe no mundo» (c. 1). De resto, Brígida sabia bem, e disto estava firmemente convencida, que cada carisma está destinado a edificar a Igreja. Precisamente por este motivo, não poucas das suas revelações eram dirigidas, em forma de admoestações até severas, aos fiéis do seu tempo, também às Autoridades religiosas e políticas, a fim de que vivessem coerentemente a sua vida cristã; mas fazia isto sempre com uma atitude de respeito e de fidelidade integral ao Magistério da Igreja, de modo particular ao Sucessor do Apóstolo Pedro.

Em 1349, Brígida deixou para sempre a Suécia e veio em peregrinação a Roma. Não só tencionava participar no Jubileu de 1350, mas também desejava obter do Papa a aprovação da Regra de uma Ordem religiosa que ela queria fundar, intitulada ao Santo Salvador, e composta por monges e monjas sob a autoridade da abadessa. Trata-se de um elemento que não nos deve surpreender: na Idade Média existiam fundações monásticas com um ramo masculino e outro feminino, mas com a prática da mesma regra monástica, que previa a direcção de uma abadessa. Com efeito, na grande tradição cristã, à mulher são reconhecidos a própria dignidade e — sempre a exemplo de Maria, Rainha dos Apóstolos — o próprio lugar na Igreja que, sem coincidir com o sacerdócio ordenado, é igualmente importante para o crescimento espiritual da Comunidade. Além disso, a colaboração de consagrados e de consagradas, sempre no respeito pela sua vocação específica, tem uma grande importância no mundo contemporâneo.

Em Roma, acompanhada pela filha Karin, Brígida dedicou-se a uma vida de intenso apostolado e de oração. E de Roma partiu em peregrinação a vários santuários italianos, em particular a Assis, pátria de São Francisco, por quem Brígida nutriu sempre uma grande devoção. Finalmente, em 1371, coroou a sua maior aspiração: a viagem à Terra Santa, aonde foi em companhia dos seus filhos espirituais, um grupo ao qual Brígida chamava «os amigos de Deus».

Durante aqueles anos, os Pontífices encontravam-se em Avinhão, longe de Roma: Brígida dirigiu-se sentidamente a eles, a fim de que voltassem para a Sé de Pedro, na Cidade Eterna.

Faleceu em 1373, antes que o Papa Gregório XI tivesse voltado definitivamente para Roma. Foi sepultada provisoriamente na igreja romana de São Lourenço «in Panisperna», mas em 1374 os seus filhos Birger e Karin trasladaram-na para a pátria, no mosteiro de Vadstena, sede da Ordem religiosa fundada por Santa Brígida, que conheceu imediatamente uma expansão notável. Em 1391 o Papa Bonifácio ix canonizou-a solenemente.

A santidade de Brígida, caracterizada pela multiplicidade dos dons e das experiências que eu quis recordar neste breve perfil biográfico-espiritual, faz dela uma figura eminente na história da Europa. Proveniente da Escandinávia, Santa Brígida testemunha como o cristianismo permeou profundamente a vida de todos os povos deste Continente. Declarando-a co-Padroeira da Europa, o Papa João Paulo II fez votos por que Santa Brígida – que viveu no século XIV, quando a cristandade ocidental ainda não estava ferida pela divisão — possa interceder junto de Deus, para obter a graça tão almejada da plena unidade de todos os cristãos. Por esta mesma intenção, que é por nós muito desejada, e para que a Europa saiba alimentar-se sempre a partir das suas raízes cristãs, queremos rezar, caros irmãos e irmãs, invocando a poderosa intercessão de Santa Brígida da Suécia, discípula fiel de Deus e co-Padroeira da Europa. Obrigado pela atenção!

Fonte: www.vatican.va

Queridos irmãos e irmãs,

santaisabeldahungriaSanta Isabel da Hungria nasceu em mil duzentos e sete. Muito jovem ainda, foi dada em casamento a Luís IV da Turíngia, florescendo entre ambos um amor sincero, animado pela fé e pelo desejo de cumprir a vontade de Deus. Decidida a seguir Cristo pobre e crucificado, presente nos pobres, Isabel praticava assídua e pessoalmente as obras de misericórdia. Foram acusá-la ao marido de assim gastar os bens do condado; ele respondeu: «Desde que não me venda o castelo, não me importa!». Uma vez ela levava o avental cheio de pão para os pobres, quando se cruzou com o marido que lhe perguntou que levava. Isabel abriu o avental; mas, em vez de pão, apareceram magníficas rosas. É o conhecido milagre do pão transformado em rosas, que aparece muitas vezes reproduzido na imagem desta grande Santa da caridade.

Estimados irmãos e irmãs

Hoje gostaria de vos falar sobre a Beata Ângela de Foligno, uma grande mística medieval que viveu no século XIII. Geralmente, ficamos fascinados diante dos ápices da experiência de união com Deus que ela conseguiu alcançar, mas talvez sejam considerados demasiado pouco os primeiros passos, a sua conversão e o longo caminho que a levou desde o ponto de partida, o «grande medo do inferno», até à meta, que é a união total com a Trindade. A primeira parte da vida de Ângela não é certamente a de uma fervorosa discípula do Senhor. Tendo nascido por volta de 1248 numa família abastada, ela permaneceu órfã de pai e foi educada pela mãe de modo bastante superficial. Muito cedo, foi introduzida nos ambientes mundanos da cidade de Foligno, onde conheceu um homem com o qual casou aos vinte anos e do qual teve alguns filhos. Levava uma vida despreocupada, a ponto de se permitir desprezar os chamados «penitentes» — muito difundidos naquela época — ou seja, aqueles que para seguir Cristo vendiam os próprios bens e viviam na oração, no jejum, no serviço à Igreja e na caridade.

Alguns acontecimentos, como o violento tremor de terra de 1279, um furacão, a prolongada guerra contra Perúsia e as suas duras consequências incidem na vida de Ângela, que progressivamente adquire consciência dos próprios pecados, até chegar a um passo decisivo: invoca São Francisco, que lhe aparece em visão, para lhe pedir conselho em vista de uma boa Confissão geral que devia realizar: estamos no ano de 1285; Ângela confessa-se a um frade em São Feliciano. Três anos mais tarde, o caminho da conversão conhece mais uma mudança: a dissolução dos vínculos afectivos porque, em poucos meses, à morte da mãe seguem-se a do marido e de todos os seus filhos. Então, vende os seus bens e, em 1291, adere à Terceira Ordem de São Francisco. Falece em Foligno no dia 4 de Janeiro de 1309.

BeataangelafolignoO livro da Beata Ângela de Foligno, em que está contida a documentação a propósito da nossa Beata, narra esta conversão; indica os meios necessários para isto: a penitência, a humildade e as tribulações; e descreve as suas passagens, a sucessão das experiências de Ângela, que começaram em 1285. Recordando-as, depois de as ter vivido, ela procurou narrá-las através do Frade confessor, que as transcreveu procurando sucessivamente dispô-las em etapas, às quais chamou «passos ou mudanças», mas sem conhecer ordená-las plenamente (cf. Il Libro della beata Angela da Foligno, Cinisello Balsamo 1990, pág. 51). Isto porque a experiência de união para a Beata Ângela é um envolvimento total dos sentidos espirituais e corporais, e daquilo que ela «compreende» durante as suas êxtases só permanece, por assim dizer, uma «sombra» na sua mente. «Ouvi verdadeiramente estas palavras — confessa ela depois de um arrebatamento místico — mas aquilo que eu vi e compreendi, e que Ele [ou seja, Deus] me mostrou, não sei nem posso dizê-lo de qualquer modo; não obstante, revelaria de bom grado aquilo que entendi com as palavras que ouvi, mas foi um abismo absolutamente inefável». Ângela de Foligno apresenta a sua «vivência» mística, sem a elaborar com a mente, uma vez que são iluminações divinas que se comunicam à sua alma de maneira repentina e inesperada. O próprio Frade confessor tem dificuldade em descrever tais acontecimentos, «também por causa da sua grande e admirável discrição em relação aos dons divinos» (Ibid., pág. 194). À dificuldade que Ângela tem de descrever a sua experiência mística, acrescenta-se inclusive a dificuldade para os seus ouvintes de a compreender. Uma situação que indica claramente como o único e verdadeiro Mestre, Jesus, vive no coração de cada crente e deseja tomar posse total do mesmo. Assim ocorreu em Ângela, que escrevia a um dos seus filhos espirituais: «Meu filho, se tu visses o meu coração, serias absolutamente obrigado a fazer tudo quanto Deus deseja, porque o meu coração é o de Deus, e o coração de Deus é o meu». Ressoam aqui as palavras de São Paulo: «Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20).

Então, consideremos aqui unicamente alguns «passos» do rico caminho espiritual da nossa Beata. O primeiro, na realidade, é uma premissa: «Foi o conhecimento do pecado — como ela mesma esclarece — a seguir ao qual a alma teve um grande medo de ser condenada; neste passo, chorou amargamente» (Il Libro della beata Angela da Foligno, pág. 39). Este «medo» do inferno corresponde ao tipo de fé que Ângela tinha no momento da sua «conversão»; uma fé ainda pobre de caridade, ou seja, do amor de Deus. Arrependimento, medo do inferno e penitência abrem a Ângela a perspectiva do doloroso «caminho da cruz» que, do oitavo ao décimo quinto passo, a levará depois pelo «caminho do amor». O Frade confessor narra: «Então, a fiel disse-me: tive esta revelação divina: “Depois daquilo que foi escrito, manda escrever que quem quiser conservar a graça, não deve afastar os olhos da alma da Cruz, tanto na alegria como na tristeza que lhe concedo ou permito”» (Ibid., pág. 143). Mas nesta fase, Ângela ainda «não sente o amor»; ela afirma: «A alma sente vergonha e amargura, e ainda não experimenta o amor, mas sim a dor» (Ibid., pág. 39), e sente-se insatisfeita.

Ângela sente que deve dar algo a Deus para reparar os seus pecados, mas lentamente compreende que nada tem para lhe oferecer, aliás, que «não é nada» diante dele; entende que não será a sua vontade que lhe dará o amor de Deus, porque ela só pode dar-lhe o seu «nada», o «desamor». Como ela mesma dirá: apenas «o amor verdadeiro e puro, que vem de Deus, está na alma e faz com que ela reconheça os próprios defeitos e a bondade divina [...] Tal amor leva a alma a Cristo e ela compreende com segurança que não se pode verificar nem haver qualquer engano. A tal amor não se pode misturar algo deste mundo» (Ibid., págs. 124-125). Abrir-se única e totalmente ao amor de Deus, que tem a máxima expressão em Cristo: «Ó meu Deus — reza ela — tornai-me digna de conhecer o mistério excelso, que o vosso amor ardentíssimo e inefável realizou, juntamente com o amor pela Trindade, ou seja, o mistério altíssimo da vossa santíssima encarnação por nós [...] Ó amor incompreensível! Acima deste amor, que fez com que o meu Deus se tenha feito homem para me fazer Deus, não existe amor maior» (Ibid., pág. 295). Todavia, o coração de Ângela traz sempre as feridas do pecado; mesmo depois de uma Confissão bem feita, ela sentia-se perdoada mas ainda angustiada pelo pecado, livre mas condicionada pelo passado, absolvida mas carente de penitência. E inclusive o pensamento do inferno a acompanha, pois quanto mais a alma progredir pelo caminho da perfeição cristã, tanto mais ela se há-de convencer não só que é «indigna», mas que é merecedora do inferno.

E eis que, ao longo do seu caminho místico, Ângela compreende de modo profundo a realidade central: aquilo que a salvará da sua «indignidade» e do «merecimento do inferno» não será a sua «união com Deus», nem a sua posse da «verdade», mas sim Jesus crucificado, «a sua crucifixão por mim», o seu amor. No oitavo passo ela diz: «Contudo, eu ainda não entendia se era um bem maior a minha libertação dos pecados e do inferno, e a conversão à penitência, ou então a sua crucifixão por mim» (Ibid., pág. 41). Trata-se do equilíbrio instável entre amor e dor, que ela sentia em todo o seu difícil caminho rumo à perfeição. Precisamente por isso, contempla de preferência Cristo crucificado, porque em tal visão ela vê realizado o equilíbrio perfeito: na cruz está o homem-Deus, num supremo gesto de sofrimento que é um acto supremo de amor. Na terceira Instrução, a Beata insiste sobre esta contemplação, afirmando: «Quanto mais perfeita e puramente virmos, tanto mais perfeita a puramente amaremos [...] Por isso, quanto mais virmos Deus e o homem Jesus Cristo, tanto mais seremos transformados nele através do amor [...] Aquilo que eu disse do amor [...] digo-o também da dor: quanto mais a alma contempla a dor inefável de Deus e do homem Jesus Cristo, tanto mais sofre e é transformada em dor» (Ibid., págs. 190-191). Identificar-se, transformar-se no amor e nos sofrimentos de Cristo crucificado, identificar-se com Ele. A conversão de Ângela, que teve início com aquela Confissão de 1285, só alcançará o amadurecimento quando o perdão de Deus aparecer na sua alma como a dádiva gratuita de amor do Pai, nascente de amor: «Ninguém pode desculpar-se — afirma ela — porque todos podem amar a Deus, e Ele só pede à alma que o ame, uma vez que Ele a ama e é o seu amor» (Ibid., pág. 76).

No itinerário espiritual de Ângela, a passagem da conversão para a experiência mística, daquilo que se pode expressar para o que é inefável, tem lugar através do Crucificado. É o «Deus-homem apaixonado» que se torna o seu «mestre de perfeição». Toda a sua experiência mística consiste, portanto, em tender para uma «semelhança» perfeita com Ele, mediante purificações e transformações cada vez mais profundas e radicais. A este maravilhoso empreendimento, Ângela dedica-se inteirtamente, de alma e corpo, sem se poupar a penitências e tribulações, desde o início até ao fim, desejando morrer com todos os sofrimentos padecidos pelo Deus-homem crucificado, para ser transformada totalmente nele: «Ó filhos de Deus — ela recomendava — transformai-vos totalmente no Deus-homem apaixonado, que vos amou a ponto de se dignar morrer por vós com uma morte extremamente ignominiosa, total e inefavelmente dolorosa, de modo penosíssimo e amarguíssimo. E isto somente por amor a ti, ó homem!» (Ibid., pág. 247). Esta identificação significa também viver aquilo que Jesus viveu: pobreza, desprezo e dor, porque — como ela afirma — «através da pobreza temporal, a alma encontrará riquezas eternas; mediante o desprezo e a vergonha, ela alcançará a suma honra e uma glória excelsa; através de um pouco de penitência, feita com esforço e dor, possuirá com infinita docilidade e consolação o sumo Bem, Deus eterno» (Ibid., pág. 293).

Da conversão à união mística com Cristo crucificado, ao inefável. Um caminho elevadíssimo, cujo segredo é a oração constante: «Quanto mais rezares — afirma ela — tanto mais serás iluminado; quanto mais fores iluminado, tanto mais profunda e intensamente verás o sumo Bem, o Ser sumamente bom; quanto mais profunda e intensamente O vires, tanto mais O amarás; quanto mais O amares, tanto mais serás feliz; e quanto mais fores feliz, tanto mais compreenderás e serás capaz de o compreender. Em seguida, chegarás à plenitude da luz, porque entenderás que não podes compreender» (Ibid., pág. 184).

Estimados irmãos e irmãs, a vida da Beata Ângela começa com uma existência mundana, bastante distante de Deus. Mas depois, o encontro com a figura de São Francisco e, finalmente, o encontro com Cristo crucificado, desperta a alma para a presença de Deus, para o facto de que somente com Deus a existência se torna verdadeiramente vida porque se torna, na dor pelo pecado, amor e alegria. E assim nos fala a Beata Ângela. Hoje todos nós corremos o perigo de viver como se Deus não existisse: Ele parece tão distante da vida contemporânea. Mas Deus tem mil modos, para cada um o seu, de se fazer presente na alma, de mostrar que existe, que me conhece e me ama. E a Beata Ângela quer chamar a nossa atenção para estes sinais, com os quais o Senhor sensibiliza a nossa alma, atentos à presença de Deus, para aprendermos assim o caminho com Deus e rumo a Deus, na comunhão com Cristo crucificado. Oremos ao Senhor para que nos torne atentos aos sinais da sua presença, que nos ensine a viver realmente. Obrigado!

Queridos irmãos e irmãs:

santa_gertrudesSanta Gertrudes a Grande, sobre quem eu gostaria de vos falar hoje, leva-nos também ao mosteiro de Helfta esta semana; lá nasceram algumas das obras-primas da literatura religiosa feminina latino-germânica. A esse mundo pertence Gertrudes, uma das místicas mais famosas, única mulher da Alemanha que tem o apelativo de "a Grande", por sua estatura cultural e evangélica: com a sua vida e seu pensamento, ela incidiu de forma singular na espiritualidade cristã. É uma mulher excepcional, dotada de talentos naturais particulares e de extraordinários dons da graça, de profundíssima humildade e ardente zelo pela salvação do próximo, de íntima comunhão com Deus na contemplação e disponibilidade para socorrer os necessitados.

Em Helfta se compara, por assim dizer, sistematicamente com sua mestra, Matilde de Hackeborn, de quem falei na audiência da última quarta-feira; entra em relação com Matilde de Magdeburgo, outra mística medieval; e cresce sob o cuidado maternal, doce e exigente da abadessa Gertrudes. Destas três irmãs suas, adquire tesouros de experiência e sabedoria; e os elabora em uma síntese própria, percorrendo seu itinerário religioso com confiança ilimitada no Senhor. Expressa a riqueza da espiritualidade não somente em seu mundo monástico, mas também - e sobretudo - no mundo bíblico, litúrgico, patrístico e beneditino, com um selo personalíssimo e com grande eficácia comunicativa.

Ela nasceu em 6 de janeiro de 1256, festa da Epifania, mas não se sabe nada sobre seus pais nem sobre o lugar de nascimento. Gertrudes escreve que o próprio Senhor lhe revela o sentido desse primeiro desapego seu; afirma que o Senhor teria dito: "Eu a escolhi como minha morada e me alegro porque tudo que há de belo nela é obra minha (...). Precisamente por esta razão, afastei-a de todos os seus parentes, para que ninguém a amasse por motivo de consanguinidade e eu fosse a única razão do afeto que a move" (As revelações, I, 16, Sena, 1994, p. 76-77).

Aos 5 anos, em 1261, entrou no mosteiro, como era costume naquela época, para a formação e o estudo. Lá transcorreu toda a sua existência, da qual ela mesma indica as etapas mais significativas. Em suas memórias, recorda que o Senhor a preservou com paciência generosa e infinita misericórdia, esquecendo dos anos de sua infância, adolescência e juventude, transcorridos - escreve - "em tal cegueira de mente, que eu teria sido capaz (...) de pensar, dizer ou fazer, sem nenhum remorso, o que me desse vontade, aonde quer que fosse, se Tu não tivesses me preservado, seja com um horror inerente pelo mal e uma natural inclinação ao bem, seja com a vigilância externa dos demais. Eu teria me comportado como uma pagã (...) e isso mesmo Tu querendo que, desde a infância, desde o meu quinto ano de idade, eu habitasse no santuário abençoado da religião, para ser educada entre os teus amigos mais devotos" (Ibid., II, 23 140s).

Gertrudes foi uma estudante extraordinária, aprendeu tudo o que podia aprender das ciências do Trívio e do Quadrívio; era fascinada pelo saber e se dedicou ao estudo profano com ardor e tenacidade, conseguindo êxitos escolares muito além de toda expectativa. Se não sabemos nada sobre suas origens, ela contou muito sobre suas paixões juvenis: a literatura, a música, o canto e a arte da miniatura a cativaram. Tinha um caráter forte, decidido, imediato, impulsivo; frequentemente afirmava que era negligente; reconheceu seus defeitos, pediu humildemente perdão por eles. Com humildade, pediu conselhos e orações por sua conversão. Há características do seu temperamento e defeitos que a acompanharão até o final, até o ponto de assustar algumas pessoas, que se perguntam como é possível que o Senhor a prefira tanto.

De estudante, passou a consagrar-se totalmente a Deus na vida monástica e, durante 20 anos, não aconteceu nada de extraordinário: o estudo e a oração foram sua principal atividade. Devido aos seus dons, ela se sobressaía entre suas irmãs; era tenaz em consolidar sua cultura em campos diversos. Mas, durante o Advento de 1280, começou a sentir desgosto por tudo aquilo, percebeu sua vaidade e, em 27 de janeiro de 1281, poucos dias antes da festa da Purificação de Maria, na hora das Completas, o Senhor iluminou suas densas trevas. Com suavidade e doçura, acalmou a turbação que a angustiava, turbação que Gertrudes via como um dom de Deus "para abater essa torre de vaidade e de curiosidade que - ai de mim - ainda carregando o nome e o hábito de religiosa, fui elevando com a minha soberba, e pelo menos assim, encontrar o caminho para mostrar-me tua salvação" (Ibid., II,1, p. 87).

Ela teve a visão de um jovem que a guiava para superar o emaranhado de espinhos que oprimia sua alma, estendendo-lhe a mão. Nessa mão, Gertrudes reconheceu "a preciosa marca dessas chagas que ab-rogaram todas as atas de acusação dos nossos inimigos" (Ibid., II,1, p. 89); reconheceu Aquele que sobre a cruz nos salvou com seu sangue, Jesus.

Desde aquele momento, sua vida de comunhão com o Senhor se intensificou, sobretudo nos tempos litúrgicos mais significativos - Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, festas de Nossa Senhora - ainda quando, doente, não podia se dirigir ao coro. É o mesmo húmus litúrgico de Matilde, sua mestra, que Gertrudes, no entanto, descreve com imagens, símbolos e termos mais simples e lineares, mais realistas, com referências mais diretas à Bíblia, aos Padres, ao mundo beneditino.

Sua biógrafa indica duas direções do que poderíamos chamar de particular "conversão" sua: nos estudos, com a passagem radical dos estudos humanistas profanos aos teológicos, e na observância monástica, com a passagem da vida que ela define como negligente à vida de oração intensa, mística, com um excepcional ardor missionário. O Senhor, que a havia escolhido desde o seio materno e que desde pequena lhe fizera participar do banquete da vida monástica, volta a chamá-la, com sua graça, "das coisas externas à vida interior; e das ocupações terrenas ao amor pelas coisas espirituais". Gertrudes compreende que esteve longe d'Ele, na região da dissimilitude, como diz Santo Agostinho: de ter-se dedicado com muita avidez aos estudos liberais, à sabedoria humana, descuidando a ciência espiritual, privando-se do gosto pela verdadeira sabedoria, agora é conduzida ao monte da contemplação, onde deixa o homem velho para revestir-se do novo. "De gramática, converte-se em teóloga, com a leitura incansável dos livros sagrados que podia ter ou obter e enchia seu coração com as mais úteis e doces sentenças da Sagrada Escritura. Tinha, por isso, sempre pronta uma palavra inspirada e de edificação para satisfazer os que iam consultá-la e, ao mesmo tempo, os textos escriturísticos mais adequados para rebater qualquer opinião errônea e fazer calar seus oponentes" (Ibid., I,1, p. 25).

Gertrudes transforma tudo isso em apostolado: dedica-se a escrever e divulgar as verdades da fé com clareza e simplicidade, graça e persuasão, servindo com amor e fidelidade a Igreja, até o ponto de ser útil e bem-vinda para os teólogos e pessoas piedosas. Desta intensa atividade sua, resta-nos pouco, também devido às circunstâncias que levaram à destruição do mosteiro de Helfta. Além do "Arauto do amor divino" e "As revelações", temos os "Exercícios Espirituais", uma joia rara da literatura mística espiritual.

Na observância religiosa, nossa santa é "uma coluna firme (...), firmíssima propugnadora da justiça e da verdade", diz sua biógrafa (Ibid., I, 1, p. 26). Com as palavras e o exemplo, suscitava nos demais grande fervor. Às orações e às penitências da regra monástica, acrescentava outras com tal devoção e abandono confiado em Deus, que provocava, em quem a encontrava, a consciência de estar na presença do Senhor. E, de fato, o próprio Deus lhe dá a entender que a chamou para ser instrumento da sua graça. Deste imenso tesouro divino, Gertrudes se sentia indigna, confessou não tê-lo protegido e valorizado. Exclamou: "Ai de mim! Se Tu tivesses me dado para lembrança tua, indigna como sou, inclusive um só fio de estopa, ele deveria ser guardado com maior respeito e reverência do que eu tive por estes teus dons!" (Ibid., II,5, p. 100). Mas, reconhecendo sua pobreza e indignidade, ela adere à vontade de Deus, "porque - afirma - aproveitei tão pouco suas graças, que não posso decidir acreditar que foram concedidas somente para mim, não podendo tua eterna sabedoria ser frustrada por alguém. Faze, portanto, ó Dador de todo bem, Tu que me concedeste gratuitamente dons tão imerecidos, que, lendo este escrito, o coração de pelo menos um dos teus amigos se comova pelo pensamento de que o zelo pelas almas te levou a deixar durante tanto tempo uma joia de valor tão inestimável em meio ao lodo abominável do meu coração" (Ibid., II,5, p. 100s).

Em particular, dois favores lhe foram mais queridos que qualquer outro, como escreveu a própria Gertrudes: "Os estigmas das tuas chagas, que imprimiste em mim como joias preciosas no coração, e a profunda e saudável ferida de amor com que o marcaste. Tu me inundaste com estes dons teus de tanta alegria que, ainda que eu tivesse de viver mil anos sem nenhum consolo, nem interior nem exterior, sua lembrança bastaria para reconfortar-me, iluminar-me, encher-me de gratidão. Quiseste também introduzir-me na inestimável intimidade da tua amizade, abrindo-me de muitas formas esse sacrário nobilíssimo da tua divindade, que é o teu Coração divino (...). A esse cúmulo de benefícios, acrescentaste o de dar-me por advogada a Santíssima Virgem Maria, tua Mãe, e de ter me recomendado frequentemente seu afeto como o mais fiel dos esposos poderia recomendar à sua própria mãe sua esposa querida" (Ibid., II, 23, p. 145).

Dirigida à comunhão sem fim, concluiu sua vida terrena no dia 17 de novembro de 1301 ou 1302, aos quase 46 anos. No sétimo Exercício, o da preparação para a morte, Santa Gertrudes escreveu: "Ó Jesus, Tu que me és imensamente querido, fica sempre comigo, para que o meu coração permaneça contigo e teu amor persevere comigo sem possibilidade de divisão, e meu trânsito seja abençoado por Ti, de maneira que meu espírito, livre dos laços da carne, possa imediatamente encontrar repouso em Ti. Amém." (Esercizi, Milão, 2006, p. 148).

Parece-me óbvio que estas não são somente coisas do passado, históricas, mas que a existência de Santa Gertrudes continua sendo uma escola de vida cristã, de reto caminho, que nos mostra que o centro de uma vida feliz, de uma vida verdadeira, é a amizade com Jesus, o Senhor. E essa amizade se aprende no amor pela Sagrada Escritura, no amor pela liturgia, na fé profunda, no amor a Maria, de forma que se conheça cada vez mais realmente o próprio Deus e, assim, a verdadeira felicidade, a meta da nossa vida.

Obrigado.

[Tradução: Aline Banchieri.

©Libreria Editrice Vaticana]

Fonte: Zenit

Quarta, 06 Outubro 2010 11:48

São Bruno

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Hoje lembramos o santo que se tornou o fundador da Ordem dos Cartuxos, considerada a mais rígida de todas as Ordens da Igreja, e que atravessou a história sem reformas.

saobrunoFilho de família nobre de Colônia (Alemanha), nasceu em 1032. Quando alcançou idade foi chamado pelo Senhor ao sacerdócio, e se deixou seduzir. Amigo e admirado pelo Arcebispo de Reims, Bruno, inteligente e piedoso, começou a dar aulas na escola da Catedral desse local, até que já, cinquentenário e cônego, amadureceu na inspiração de servir a uma Ordem religiosa.

Após curto estágio num mosteiro beneditino, retirou-se a uma região chamada Cartuxa com a aprovação e bênção de São Hugo, Bispo de Grenoble, o qual lhe ofereceu um lugar. Isto se deu graças a um sonho que São Hugo teve. Neste sonho, apareciam-lhe sete estrelas que caíam aos seus pés para, logo em seguida, levantarem-se e desaparecerem no deserto montanhoso. Após este sonho, o Bispo recebeu a visita de Bruno que estava acompanhado por seis companheiros monges. Ao ver os sete varões, o Bispo Hugo reconheceu imediatamente neles as sete estrelas do sonho e concedeu-lhes as terras onde São Bruno iniciou a Ordem gloriosa da Cartuxa com o coração abrasado de amor por Jesus e pelo Reino de Deus. Com os monges companheiros, observava-se absoluto silêncio, a fim do aprofundamento na oração e à meditação das coisas divinas, ofícios litúrgicos comunitários, obediência aos superiores, trabalhos agrícolas, transcrição de manuscritos e livros piedosos.

Quando um dos discípulos de São Bruno tornou-se Papa (Urbano II), teve ele que obedecer ao Vigário de Cristo, já que o queria como assessor, porém, recusou ser Bispo e após pedir com insistência ao Sumo Pontífice, conseguiu voltar à vida religiosa, quando juntamente com amigos de Roma, fundou no sul da Itália o Mosteiro de Santa Maria da Torre, onde veio a falecer no dia 6 de outubro de 1101.

As últimas palavras foram: "Eu creio nos Santos Sacramentos da Igreja Católica, em particular, creio que o pão e o vinho consagrados, na Santa Missa, são o Corpo e Sangue, verdadeiros, de Jesus Cristo".

Fonte: Canção Nova

Quarta, 06 Outubro 2010 11:38

São Bernardo de Claraval

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São Bernardo de Claraval

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de falar de São Bernardo de Claraval, chamado "o último dos Padres" da Igreja, porque no século XII, mais uma vez, renovou e tornou presente a grande teologia dos Padres. Não conhecemos os pormenores os anos da sua infância; sabemos contudo que ele nasceu em 1090 em Fontaines na França, numa família numerosa e discretamente abastada. Ainda jovem, prodigalizou-se no estudo das chamadas artes liberais – especialmente da gramática, da retórica e da dialéctica – na escola dos Cónegos da igreja de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine e amadureceu lentamente a decisão de entrar na vida religiosa. Por volta dos vinte anos entrou em Cîteaux, uma fundação monástica nova, mais activa em relação aos antigos e veneráveis mosteiros de então e, ao mesmo tempo, mais rigorosa na prática dos conselhos evangélicos. Alguns anos mais tarde, em 1115, Bernardo foi enviado por Santo Estêvão Harding, terceiro Abade de Cîteaux, para fundar o mosteiro de Claraval (Clairvaux). Aqui o jovem Abade, tinha apenas vinte e cinco anos, pôde apurar a própria concepção da vida monástica, e empenhar-se em pô-la em prática. Olhando para a disciplina de outros mosteiros, Bernardo recordou com decisão a necessidade de uma vida sóbria e comedida, tanto à mesa como no vestuário e nos edifícios monásticos, recomendando o sustento e a atenção aos pobres. Entretanto a comunidade de Claraval tornava-se cada vez mais numerosa, e multiplicava as suas fundações.

saobernardodeclaravalNestes mesmos anos, antes de 1130, Bernardo iniciou uma ampla correspondência com muitas pessoas, quer importantes quer de modestas condições sociais. Às muitas Cartas deste período é preciso acrescentar numerosos Sermões, assim como Sentenças e Tratados. Remonta sempre a este tempo a grande amizade de Bernardo com Guilherme, Abade de Saint-Thierry, e com Guilherme de Champeaux, figuras entre as mais importantes do século XII. A partir de 1130, começou a ocupar-se de muitas e graves questões da Santa Sé e da Igreja. Por este motivo teve que sair cada vez mais do seu mosteiro, e por vezes da França. Fundou também alguns mosteiros femininos, e foi protagonista de um vivaz epistolário com Pedro o Venerável, Abade de Cluny, sobre o qual falei na quarta-feira passada. Dirigiu sobretudo os seus escritos polémicos contra Abelardo, um grande pensador que iniciou um novo modo de fazer teologia, introduzindo sobretudo o método dialéctico-filosófico na construção do pensamento teológico. Outra frente contra a qual Bernardo lutou foi a heresia dos Cátaros, que menosprezavam a matéria e o corpo humano, desprezando, por conseguinte, o Criador. Ele, ao contrário, sentiu-se no dever de assumir a defesa dos judeus, condenando as manifestações de anti-semitismo cada vez mais difundidas. Devido a este aspecto da sua acção apostólica, algumas dezenas de anos mais tarde, Ephraim, rabino de Bonn, dirigiu a Bernardo uma vivaz homenagem. Naquele mesmo período o santo Abade escreveu as suas obras mais famosas, como os celebérrimos Sermões sobre o Cântico dos Cânticos. Nos últimos anos da sua vida – a sua morte verificou-se em 1153 – Bernardo teve que limitar as viagens, sem contudo as interromper totalmente. Aproveitou para rever definitivamente o conjunto das Cartas, dos Sermões e dos Tratados. Merece ser mencionado um livro bastante particular, que ele terminou precisamente neste período, em 1145, quando um seu aluno, Bernardo Pignatelli, foi eleito Papa com o nome de Eugénio III. Nesta circunstância, Bernardo, como Padre espiritual, escreveu a este seu filho espiritual o texto De Consideratione, que contém ensinamentos para poder ser um bom Papa. Neste livro, que permanece uma leitura conveniente para os Papas de todos os tempos, Bernardo não indica apenas como desempenhar bem o papel de Papa, mas expressa também uma visão profunda do mistério da Igreja e do mistério de Cristo, que no final se resolve na contemplação do mistério de Deus trino e uno:  "Deveria ainda prosseguir a busca deste Deus, que ainda não é bastante procurado", escreve o santo Abade "mas talvez se possa procurar melhor e encontrar mais facilmente com a oração do que com o debate. Ponhamos então aqui um ponto final no livro, mas não na pesquisa" (XIV, 32:  PL 182, 808), no estar a caminho rumo a Deus.

Gostaria de me deter agora só sobre dois aspectos centrais da rica doutrina de Bernardo:  eles referem-se a Jesus Cristo e a Maria santíssima, sua Mãe. A sua solicitude pela participação íntima e vital do cristão no amor de Deus em Jesus Cristo não contribui com novas orientações para o estatuto científico da teologia. Mas, de modo mais do que decidido, o Abade de Clairvaux configura o teólogo com o contemplativo e com o místico. Só Jesus – insiste Bernardo diante dos complexos raciocínios dialécticos do seu tempo – só Jesus é "mel para os lábios, cântico para os ouvidos, júbilo para o coração" (mel in ore, in aure melos, in corde iubilum)". Vem precisamente daqui o título, a ele atribuído pela tradição, de Doctor mellifluus:  de facto, o seu louvor de Jesus Cristo "escorre como o mel". Nas extenuantes batalhas entre nominalistas e realistas – duas correntes filosóficas da época – o Abade de Claraval não se cansa de repetir que um só nome conta, o de Jesus de Nazaré. "Todo o alimento da alma é árido", confessa, "se não for aspergido com este óleo; insípido, se não for temperado com este sal. Aquilo que escreves para mim não tem sabor, se nisso eu não ler Jesus". E conclui:  "Quando discutes ou falas, para mim nada tem sabor, se eu não ouvir ressoar nisso o nome de Jesus" (Sermones in Cantica Canticorum XV, 6:  PL 183, 847). De facto, para Bernardo o verdadeiro conhecimento de Deus consiste na experiência pessoal, profunda de Jesus Cristo e do seu amor. E isto, queridos irmãos e irmãs, é válido para cada cristão:  a fé é antes de tudo encontro pessoal, íntimo com Jesus, é fazer a experiência da sua proximidade, da sua amizade, do seu amor, e só assim se aprende a conhecê-lo cada vez mais, a amá-lo e a segui-lo sempre mais. Que isto se verifique com cada um de nós!

Noutro célebre Sermão no domingo entre a oitava da Assunção, o santo Abade descreve em termos apaixonados a íntima participação de Maria no sacrifício redentor do Filho. "Ó santa Mãe – exclama ele – deveras uma espada trespassou a tua alma!... A violência da dor trespassou de tal modo a tua alma, que justamente podemos chamar-te mais do que mártir, porque em ti a participação na paixão do Filho superou muito em intensidade os sofrimentos físicos do martírio" (14:  PL 183, 437-438). Bernardo não tem dúvidas:  "per Mariam ad Iesum", através de Maria somos conduzidos até Jesus. Ele testemunha com clareza a subordinação de Maria a Jesus, segundo os fundamentos da mariologia tradicional. Mas o corpo do Sermone documenta também o lugar privilegiado da Virgem na economia da salvação, após a particularíssima participação da Mãe (compassio) no sacrifício do Filho. Não por acaso, um século e meio depois da morte de Bernardo, Dante Alighieri, no último canto da Divina Comédia, colocará nos lábios do "Doutor melífluo" a sublime oração a Maria:  "Virgem Mãe, filha do teu Filho, / humilde e nobre mais do que qualquer criatura, / termo fixo do eterno conselho,..." (Paraíso 33, vv. 1 ss.).

Estas reflexões, características de um apaixonado por Jesus e Maria como São Bernardo, provocam ainda hoje de modo saudável não só os teólogos, mas todos os crentes. Por vezes pretende-se resolver as questões fundamentais sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo unicamente com as forças da razão. São Bernardo, ao contrário, solidamente fundado na Bíblia e nos Padres da Igreja, recorda-nos que sem uma fé profunda em Deus, alimentada pela oração e pela contemplação, por uma relação íntima com o Senhor, as nossas reflexões sobre os mistérios divinos correm o risco de se tornarem uma vã prática intelectual, e perdem a sua credibilidade. A teologia remete para a "ciência dos santos", para a sua intuição dos mistérios do Deus vivo, para a sua sabedoria, dom do Espírito Santo, que se tornam ponto de referência do pensamento teológico. Juntamente com Bernardo de Claraval, também nós devemos reconhecer que o homem procura melhor e encontra mais facilmente Deus "com a oração do que com o debate". No final, a figura mais verdadeira do teólogo e de cada evangelizador permanece a do Apóstolo João, que apoiou a sua cabeça no coração do Mestre.

Gostaria de concluir estas reflexões sobre São Bernardo com as invocações a Maria, que lemos numa sua bonita homilia. "Nos perigos, nas angústias, nas incertezas – diz ele – pensa em Maria, invoca Maria. Que ela nunca abandone os teus lábios, nem o teu coração; e para obteres a ajuda da sua oração, nunca esqueças o exemplo da sua vida. Se a segues, não te podes desviar; se lhe rezas, não te podes desesperar; se pensas nela não podes errar. Se ela te ampara, não cais; se ela te protege, nada temes; se ela te guia, não te cansas; se ela te é propícia, alcançarás a meta..." (Hom. II super "Missus est", 17:  PL 183, 70-71).

Audiência de 21 de outubro de 2009.

Fonte: www.vatican.va

Segunda, 04 Outubro 2010 21:15

Chiara Luce Badano: jovem, moderna e santa

Escrito por

chiaraluceNo dia 25 de setembro, em Roma, aconteceu a beatificação de Chiara Luce Badano, uma jovem italiana que morreu há 20 anos, no dia 7 de outubro de 1990. Filha única de um casal que a esperou durante 11 anos, nasceu em Sassello, norte da Itália, no dia 29 de outubro de 1971. Com nove anos, entrou em contato com o Movimento dos Focolares, ao participar, juntamente com seus pais, de um encontro de espiritualidade em Roma, fato que modificou radicalmente a vida dos três membros da pequena família.

Voltou para casa renovada e irradiante. Uma intensa luz interior, que se transformou numa profunda alegria, a fez entender que Deus a amava acima de qualquer expectativa. Suas fraquezas e incoerências, que até então a humilhavam e pareciam impedir sua intimidade com ele, passaram a ser vistas como um poderoso imã, que atraía a misericórdia divina. Sentindo-se amada gratuitamente – independentemente de seus méritos reais ou fictícios – passou a gozar de uma liberdade jamais antes imaginada, que a impelia a amar a todos. Como São João, ela não cansava de repetir: «Conheço o amor que Deus tem por mim e nele acredito!» (1Jo 4,16).

Contudo, para ser fiel ao ideal que abraçara, diferentemente de sua homônima, Santa Clara de Assis, ela não se retirou para um convento nem abandonou a família e os numerosos amigos que sua simpatia cativava. Nem começou a passar longas horas na igreja... Pelo contrário, o seu novo estilo de vida reforçou mais ainda a graça que brilhava em todo o seu agir. Para ela, santidade era fazer a vontade de Deus. E a vontade de Deus é uma só: amar! Por isso, dedicava-se com intensidade e desapego tanto aos estudos e aos pequenos trabalhos domésticos, como aos esportes, à dança, ao canto e aos encontros de formação com os colegas que a cercavam.

Em suma, uma jovem cheia de vida, de alegria e... de projetos para o futuro, não excluído o casamento. Contudo, em 1988, quando mal completara 17 anos, durante uma partida de tênis, sentiu uma aguda dor nas costas. Os exames médicos lhe deram a pior de todas as notícias: câncer nos ossos.

Foi um baque que a jogou nas trevas mais espessas. As dúvidas e as interrogações se sucederam num ritmo crescente: «Por que isso acontece justamente comigo, que tanto luto para fazer o bem a todos? Por que Deus, que é amor, permite uma coisa dessas? Mas, se ele é todo-poderoso, por que não faz um milagre?» Pediu à mãe que a deixasse sozinha em seu quarto por quinze minutos. Em seguida, abriu a porta e, com o rosto brilhando entre as lágrimas, exclamou: «Por ti, Jesus! Se tu o queres, eu também o quero!».

As dores e provas passaram a se suceder num ritmo crescente. Mas, diante de cada uma delas, repetia o seu “sim” “sempre, logo e com alegria” – como aprendera de sua mestra, Chiara Lubich. Foi tão grande o progresso alcançado nos dois anos de doença, que disse a uma amiga: «Se tivesse de escolher entre caminhar novamente ou ir ao Paraíso, eu não teria dúvida: escolheria o Paraíso. Nessa altura, somente ele me interessa».

No dia 19 de julho de 1990, ela escrevia a Chiara Lubich: «A medicina não tem mais nada a fazer. Ao interromper o tratamento, as dores na coluna aumentaram muito. Quase não consigo me mexer. Sinto-me tão pequena, e o caminho que devo percorrer, tão duro... Frequentemente tenho a impressão de ser sufocada pela dor. É Jesus, o Esposo, que vem ao meu encontro, não é mesmo? Sim, eu repito com você: “Se tu queres, eu também quero!”. Com você e com ele, tenho certeza que conquistaremos o mundo!».

De Chiara Lubich, Chiara Badano recebeu o sobrenome de “Luce”, pela luz que irradiava o seu ser e contagiava os que dela se aproximavam. Passou os últimos dias de vida preparando o que julgava necessário para o funeral, que denominou “festa de seu casamento”: os cânticos, as flores e o vestido branco. As últimas palavras que dirigiu à mãe revelam a maturidade alcançada por uma jovem que acreditou no amor: «Seja feliz, assim como eu o sou!».

Dom Redovino Rizzardo

Fonte: CNBB

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